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Vagas “masculinas” aumentam disparidade de gênero.

Você já se deparou com vagas de emprego onde preenchia todos os requisitos técnicos mas ao ler o perfil desejado achou que não era pra você? Se sim, saiba que não está sozinha.  O relatório Gender Insights Report, publicado no Linkedin, mostra que mulheres são 16% menos propensas que homens a se candidatarem a uma vaga de emprego após ler a descrição. Isso acontece porque mulheres acreditam que precisam atender a 100% dos critérios listados, enquanto homens se aplicam ao entender que preenchem pelo menos 60,3% dos requisitos. Analisando algumas vagas é possível identificar vieses de gênero, ainda que implícitos, nas descrições e perfis desejados. Há também superlativos e uma extensa lista de habilidades, que nem sempre são cruciais para a posição. Isso faz com que se criem “vagas masculinas”, afastando mulheres e agravando a disparidade de gênero.

Disparidade de gênero no Brasil

A disparidade de gênero refere-se a fatores – sociais, políticos ou econômicos – que contribuem para a desigualdade entre homens e mulheres. O mais recente levantamento de Estatística de Gênero divulgado pelo IBGE (2019), mostra que as mulheres ocupam 54,5% da taxa de força de trabalho no Brasil, comparado a 73,7% ocupado pelos homens. Ao fazer recortes sociais, políticos, educacionais e de raça, os dados são ainda mais discrepantes.  Numa outra pesquisa realizada pela Catho (2021), 30% das mulheres possuem nível superior e pós-graduação, enquanto os homens são apenas 24%. Mesmo assim, eles podem ganhar até 52% a mais que elas exercendo uma mesma função. As mulheres, na maioria das vezes, possuem acúmulo de funções: profissional, mãe, dona de casa, cuidadora e educadora. E não é uma escolha, elas gastam semanalmente com os afazeres domésticos o dobro de horas que os homens (21,4 contra 11 horas).  O cenário vem melhorando ao longo das últimas décadas, mas ainda estamos longe de igualdade. De acordo com as Nações Unidas – Brasil, se continuarmos com as medidas atuais levaremos 257 anos para total equiparação salarial. 

Trabalho de homem e trabalho de mulher?

Na construção social atual, há profissões de seara masculina e feminina. Aquela máxima de homens exercendo trabalhos que exigem habilidade, precisão e controle enquanto mulheres deveriam ocupar posições que exigem sensibilidade, comunicação e intuição.  Para efeitos de comparação podemos citar as áreas de Tecnologia, que tem representação masculina de 76,4% no Brasil e a área de Pessoas e Recursos Humanos, com 66% das vagas ocupadas pelo público feminino.  Toda essa carga faz com que as mulheres tenham sempre mais cautela e se exponham menos aos riscos. Nas áreas de tecnologia, onde há a maior desigualdade de gênero, ao se deparar com uma descrição de vaga que não se sinta 100% aderente, a mulher sente medo, auto julgamento e toma a decisão de não se candidatar.  Os homens, estimulados desde crianças a serem corajosos e exploratórios, candidatam-se à mesma vaga sem pensar duas vezes. Daí a maior representação masculina nas etapas de seleção para a maioria dos cargos. O ciclo vicioso está formado.

Palavras de gênero masculino x feminino nas vagas

“Exigente”. “Inconformista”. “Questionador”. “Competitivo”. “Pensamento rápido”. “Líder nata”.  Você se candidataria às vagas que tivessem essas palavras na descrição? Uma pesquisa realizada em 2011 pelo Journal of Personality and Social Psychology e publicada pelo Gender Action Portal (Harvard Kennedy School), concluiu que anúncios de empregos que possuíam palavras intrinsecamente masculinas levava mulheres a pensarem que mais homens trabalhavam lá, acreditarem que não pertenceriam a essa posição e  acharem o trabalho menos atraente, apesar de todas concordarem que preenchiam os requisitos técnicos necessários. Já a pesquisa Language Matters (2019) feita pela Censuswide a pedido do LinkedIn, mostra que alguns adjetivos usados nas descrições de vagas podem desencorajar até 44% das mulheres a se candidatarem. Além disso, 61% das mulheres destacam suas soft skills – habilidades comportamentais – ao se descreverem, comparado à 52% dos homens. Numa rápida pesquisa no Linkedin, é possível identificar essas palavras associadas a cargos e profissões dominadas por homens. Para uma vaga de Gerente de TI, encontramos: inconformado, enérgico e dinâmico. Para uma vaga de Especialista no mercado financeiro, são usadas: claro, direto, objetivo, questionador, senso crítico, analítico. Fazendo o exercício contrário, buscando vagas culturalmente direcionadas à mulheres, as palavras usadas são diferentes. Para uma vaga de gestor de Gente, são usadas palavras como: apoio, suporte, motivador, comunicação precisa, ótimo relacionamento.

Perdendo o medo

A maioria das meninas cresce acreditando que precisam ser cuidadosas, carinhosas e controladas. O problema está em se limitar a esses adjetivos. Elas podem ser carinhosas e decididas, cuidadosas e questionadoras, controladas e inconformadas. Ao entender melhor suas habilidades comportamentais fica mais fácil se identificar com vagas de empregos divulgadas.  Use as redes sociais a seu favor. Colete feedbacks e pesquise sobre os funcionários atuais. Veja se há outras mulheres ocupando o mesmo cargo na empresa em questão. 
  • Se sim, quantas são? 
  • Como elas se descrevem? 
Isso contribui para aumentar sua segurança e confiança. Por último, a descrição de uma vaga é uma das etapas do processo de recrutamento. Durante as entrevistas e conversas iniciais, é possível identificar melhor o perfil desejado pela empresa.

Como atrair mais mulheres para essas vagas?

Para garantir a equidade, é preciso mudança. Além das empresas promoverem ações de Diversidade e Inclusão, também é necessário adequação na etapa de recrutamento e seleção para atrair mais mulheres e tornar o processo mais competitivo. No mercado de tecnologia, por exemplo, é comum ouvir que é uma tarefa difícil encontrar mulheres para uma posição, principalmente as mais técnicas, como engenheiras de software e cientistas de dados  – e realmente é. Há mais profissionais homens do que mulheres nesse campo de atuação – mas há maneiras de melhorar o cenário atual:
  • Descrição de vagas sem gênero contribuem para um ambiente mais inclusivo. Experimente trocar Coordenador de Projetos por Pessoa Coordenadora de Projeto. Ou Técnico em Audiovisual por Técnico(a) em Audiovisual.
  • Para vagas especialistas, o conhecimento técnico é essencial. Mas é realmente necessário descrever todas as ferramentas utilizadas na empresa? 
Talvez seja possível focar no que será imprescindível para o profissional e durante a entrevista, se aperfeiçoar.
  • Se sua vaga tiver detalhamento de perfil, revisar o uso de palavras que pressupõem ambientes masculinos. Substitua, por exemplo, “questionador” por  gosta de desafios. “Perfil analítico” por pensamento crítico.
  • Para cargos de liderança técnica, onde mulheres são minoria, reveja o termo “experiência sólida” para habilidades. Nem sempre é possível ter extensa especialidade técnica e de liderança. Se a sua vaga for mais focada em gestão de pessoas, talvez a experiência técnica fique em segundo plano.
  • Se a sua empresa possui programas de incentivo à diversidade e inclusão, descreva esses programas na vaga. Auxílio maternidade e paternidade estendido, vagas afirmativas, auxílio creche, plano de desenvolvimento de carreira, entre outros. Todos esses benefícios contribuem para que as candidatas identifiquem a cultura da empresa.
Todas nós já atuamos com profissionais inspiradoras:  parceiras, líderes, mentoras, colegas de classe. E isso só foi possível graças às diversas iniciativas de inserção de mulheres no mercado de trabalho.  As mulheres do século passado lutaram pelos nossos direitos trabalhistas básicos. A luta continua e a nossa geração precisa garantir equiparação salarial. Por isso é tão importante ter ações que colaborem com a causa e reduzam a desigualdade. São pequenos passos que irão contribuir para um futuro mais inclusivo.

Gleyce Dutra

Atua no mercado de tecnologia há quase 15 anos nos mais diversos setores: telecomunicações, seguros e varejo. Os últimos 5 anos foram dedicados à criação de produtos digitais. Graduada em Análise de Sistemas, se formou em uma  turma de 30 alunos, onde apenas 2 eram mulheres. Adora o tema de inserção de mulheres no mercado de tecnologia.

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