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O Empreendedorismo Não Sobrevive de Propósito

Dia 19/11 é celebrado o Dia do Empreendedorismo Feminino, data que foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2004, para destacar, dar visibilidade e valorizar o trabalho das mulheres que empreendem.

Para quem empreende e deseja transformar seu sonho em realidade, ter acesso a crédito é essencial. Mas, ter “nome limpo na praça”, uma empresa estruturada e score acima da média, não são os únicos fatores que influenciam o acesso ao crédito para uma pessoa, principalmente se for empreendedora. E esses fatores ficam menos relevantes ainda quando quem está esperando na fila do banco é uma mulher.

E aposto que, se você é mulher e empreendedora, assim como eu, já tenha passado por essas dificuldades de acesso a créditos seja para começar, investir ou expandir o seu negócio, não é mesmo?

Em rodas de conversas, reuniões de negócios e de networking, os relatos se repetem, muitos problemas para conseguir acesso em instituições onde não se tem conta e muitas barreiras para conseguir liberação nos bancos onde já se é cliente. E quando se consegue, as taxas de juros são absurdas.

Refletindo sobre esse assunto, é fácil concluirmos que os homens não devem passar por esse tipo de situação. Afinal, historicamente conhecidos como mais fortes, competentes e confiáveis, os homens não passam por tantas dificuldades e questionamentos quando desejam empreender.

E quando o assunto é acesso a recursos e oportunidades financeiras, essa diferença entre homens e mulheres vai além do âmbito do acesso ao crédito. Até hoje, existe uma discrepância salarial quando falamos dos mesmos cargos ocupados por homens e mulheres nas mesmas empresas.

Além do fator empreendedorismo e a possibilidade de ter seu próprio negócio, o acesso a crédito, seja para empréstimos ou financiamentos, é o responsável por impulsionar iniciativas e carreiras, pois pode ser usado tanto para financiar estudos, sejam eles para quem está em início de carreira ou quem deseja se aperfeiçoar. Quando essa oportunidade é negada, o caminho das mulheres fica mais difícil, doloroso e longo.

Neste artigo, trouxe algumas provocações importantes para pensarmos a desigualdade no acesso a crédito entre homens e mulheres, trazendo a reflexão de que sociedade estamos construindo e como podemos fazer parte de uma mudança que promova mais equidade de gênero e de oportunidades.

A diferença no acesso a crédito em números 

Após minha validação empírica da existência de diferença de acesso a crédito entre homens e mulheres, resolvi buscar por números e dados, que eu esperava que fossem fornecidos pelas instituições financeiras.

Se tratando de bancos, o primeiro impulso é o de buscar no órgão que regula a classe no Brasil, Banco Central, porém, não há dados que mostram as diferenças em números de acesso a crédito entre homens e mulheres.

Seguindo com as pesquisas, descobri um artigo muito interessante de uma mulher que também já se questionou sobre esses dados e indo mais a fundo, comprovou que atualmente, realmente, não existem esses números comparativos.

“Por isso, tenho procurado pesquisas que, com base em dados, mostram a real situação da concessão de crédito e se há mesmo diferenças na taxa de concessão, nos juros cobrados e no spread entre homens e mulheres, entre negros/pardos e brancos, e outras minorias. Seria, ao menos, o começo da conversa

Simplesmente não há dados oficiais hoje disponíveis e abertos sobre a disparidade de acesso a crédito entre homens e mulheres – e menos ainda entre brancos e negros/pardos. Quem dirá, então, de minorias.”

Naiara Bertão em Elefante na sala: por que não temos dados sobre concessão de crédito para mulheres?

Barreiras no acesso ao crédito e o racismo estrutural

E se eu, mulher branca, cis e hétero, já passei por dificuldades para conseguir créditos, imagine só quem faz parte dos grupos minoritários sendo mulher negra.

O acesso precário a serviços bancários é um dos problemas que a população negra enfrenta, antes ainda do acesso ao crédito. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, existem 34 milhões de brasileiros com acesso precário ao sistema bancário – o equivalente a 21% da população que movimenta aproximadamente R$ 347 bilhões ao ano. Nesse grupo, sete em cada dez pessoas sem conta bancária são negras. 

Quando olhamos para a população negra empreendedora, entendemos que existe interesse em empreender e existem iniciativas de sucesso, porém ainda assim o acesso a crédito é um desafio enfrentado. Cerca de 51% de empreendedores brasileiros são pessoas negras.

A dificuldade no acesso ao crédito é uma das consequências do racismo estrutural e, por isso, deve ter nossa atenção, afinal, como teremos mais pessoas pretas e principalmente mulheres pretas ocupando espaços de poder na sociedade se elas são impedidas de ter acesso aos mesmos direitos de crédito?

Além dos pré conceitos: Empreendorismo Feminino Negro

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, o empreendedorismo feminino negro é um grande destaque na história da população negra brasileira. Mesmo sendo o grupo estruturalmente mais discriminado do país, mulheres negras representam de forma significativa a economia brasileira, movimentando R$ 1,7 trilhão por ano no Brasil em empreendimentos, o correspondente a 24% do PIB.

E esse interesse no empreendedorismo é comprovado pela pesquisa Potência Negra, elaborada pela Feira Preta e pelo Instituto Locomotiva Brasil, que aponta que: quase nove em cada dez pessoas negras no Brasil (85%) têm interesse em empreender.

Em um trabalho de mapeamento da pessoa negra empreendedora, a instituição Pretahub, em parceria com JP Morgan e Plano CDE, realizou o estudo Empreendedorismo Negro no Brasil 2019. Segundo o mapeamento, o acesso a crédito é uma das principais barreiras a serem superadas por empreendedores negros. Para iniciar ou alavancar negócios, eles acabam recorrendo à poupança própria ou empréstimo com familiares e amigos.

A pesquisa ainda apontou o perfil do empreendedor negro brasileiro: a maioria identifica-se como pardo (81%), é mulher (52%), tem menos de 40 anos (69%), mora nas regiões Sudeste (40%) ou Nordeste (31%), estudou até o Ensino Médio (49%) e possui renda familiar de até R$ 5 mil (37%). 

Mas mesmo com essa relevância no cenário nacional, empreendedores negros têm crédito negado 3 vezes mais do que pessoas brancas, segundo estudo da consultoria americana Small Business Administration.

Apesar de movimentarem 1,7 trilhão por ano, 32% de empreendedores pretos e pardos tiveram um ou mais pedidos de crédito negados pelos seus bancos, sem que fossem esclarecidas razões, de acordo com o Estudo do Empreendedorismo Negro no Brasil, feito pela iniciativa Preta Hub em parceria com Plano CDE e JP Morgan

Ainda de acordo com os dados do Sebrae, 65% dos empreendedores negros que solicitaram empréstimos tiveram o crédito negado, contra 58% dos brancos.Os dados são de 2020, durante a crise do coronavírus.

Além dos bancos, iniciativas e ações para mulheres que querem empreender

Ser mulher e empreender é realmente um desafio, mas as dificuldades de acesso a crédito podem ser contornadas graças a iniciativas que visam impulsionar o empreendedorismo feminino.

O “Fundo Dona de Mim” provém microcrédito para as mulheres. Para mulheres que buscam se envolver na tecnologia, existe o “WE Impact”, da Microsoft, e o Maya Capital, iniciativas voltadas para apoiar empresas fundadas por mulheres.

E até mesmo os bancos já estão criando ações que visam flexibilizar o acesso, como é o caso do Santander e o “Santander Ela” e o Itaú que tem o programa “Itaú Mulher Empreendedora”, que prometem juros mais baixos.

E essa semana, eu também lancei uma iniciativa pessoal oferecendo acesso para que mulheres negras possam se desenvolver e crescer profissionalmente. Disponibilizei 10 convites gratuitos para o evento O Poder do Networking, que acontecerá dia 19/11, e em sua 4ª Edição trará o tema Mulheres que Transformam Mulheres.

Por aqui, começo minha parte de forma pequena, porém sabendo que o evento poderá fazer uma grande diferença.

De onde vem a desigualdade no acesso a crédito?

A disparidade no acesso ao crédito entre pessoas brancas e negras não é fruto do acaso. Ao longo de séculos, pessoas negras foram afastadas de cadeiras de poder nos negócios e de educação financeira para gestão de dinheiro. Apesar de movimentar dinheiro na sociedade e ser maioria, a população negra não desfruta dos mesmos direitos e benefícios.

Se por um lado, a falta de educação financeira faz com que pessoas negras tenham maior nível de inadimplência, por outro, a estrutura de grandes empresas financeiras se aproveita desse cenário para perpetuar injustiças e discriminações.

O afastamento do crédito perpetua o afastamento dos lugares de poder, já que impede o desenvolvimento e a oportunidade para pessoas que já têm outros tantos desafios em uma sociedade estruturalmente racista.

Para mudar esse cenário, é essencial políticas públicas específicas para esses grupos, tanto no que tange à educação financeira quanto ao incentivo de acesso para abrir portas de oportunidades com o acesso ao crédito.

No Senado, já corre um projeto de lei que busca diminuir a discriminação racial em instituições bancárias que oferecem crédito. Segundo o pedido, a instituição bancária precisará justificar sempre que negar pedidos de crédito, evitando assim que preconceitos e julgamentos pessoais interfiram na avaliação de crédito.

Além disso, algumas fintechs têm surgido como alternativa às instituições tradicionais e podem ser fundamentais para diminuir a disparidade no acesso ao crédito entre brancos e negros. A Conta Black é uma dessas iniciativas, fundada pelo empresário Sérgio All após uma experiência de solicitação de crédito em um banco tradicional. Mesmo tendo cumprido todos os requisitos, Sérgio teve seu pedido negado sem nenhuma justificativa.

Voltada para a população negra, a Conta Black tem como missão tanto diminuir a porcentagem de pessoas desbancarizadas quanto de aumentar o acesso ao crédito, fazendo o dinheiro da população negra circular. Atualmente a fintech tem mais de 23 mil associados.

Também com foco em abrir portas para a população desbancarizada ou com acesso precário a crédito, o Willbank é mais uma fintech que traz propostas de mudanças no cenário atual. Segundo suas lideranças, a presença mais forte de clientes está no Nordeste. A maioria da base é formada por mulheres e 61% dos clientes são pessoas negras. 

Com novas tecnologias de análise surgindo e maior autonomia nos processo, que começam a ser menos pessoais e mais automatizados por sistemas, é possível que certas discriminações sejam reduzidas. Por outro lado, é necessário que essas tecnologias sejam pensadas e desenvolvidas também por pessoas negras, para que não reproduzam estruturas e práticas racistas em seus algoritmos, como já vemos acontecer.

O que é possível fazer para mudar esse cenário?

A disparidade no acesso ao crédito entre pessoas negras e brancas é, antes de tudo, um problema social que exige políticas específicas e intencionalidade para mudar as regras do jogo. No entanto, antes de terminar esse texto, acho essencial levantar a reflexão do que podemos fazer com potencial de mudança nesse cenário desigual, seja como pessoas físicas, seja no mercado de trabalho, como lideranças, mentoras ou como empreendedoras.

Como falei acima, o racismo estrutural presente na nossa sociedade coloca à frente de pessoas negras muitos mais obstáculos para ascender socialmente e no mercado de trabalho. Para pessoas brancas em posição de poder, fazer um esforço intencional para remover alguns desses obstáculos é essencial na luta antirracista.

Se você é uma liderança na empresa em que atua, pode impactar positivamente a carreira de profissionais negras apoiando o desenvolvimento, abrindo espaços de crescimento, dando suporte em desafios e entendendo quais desafios específicos do contexto de vida e carreira podem impactar o desempenho de cada pessoa. Alavancar a carreira de uma pessoa negra é apoiar a equidade racial e fazer com que a desigualdade nos espaços diminua.

Já falamos aqui no blog tanto sobre recrutamento inclusivo quanto sobre liderança inclusiva, pilares que devem andar juntos em uma cultura corporativa que busca diversidade e inclusão.

Você também pode investir na carreira de profissionais negros, e principalmente de mulheres negras, ao oferecer mentorias, seja para transição de carreira, ascensão a espaços de liderança ou desafios específicos do mercado profissional.

Além disso, você pode ter mais intencionalidade para apoiar negócios geridos por mulheres negras, sejam eles comércios locais, pequenas empreendedoras ou empresas lideradas por mulheres negras. Isso é essencial quando o tema é fortalecer esses negócios para que cresçam e ganhem ainda mais relevância social.

É ainda possível que você seja investidora ou investidor de negócios em fase de crescimento e, se esse for o caso, levar seus aportes financeiros para empresas fundadas e geridas por pessoas negras é um passo importante que você pode dar para ajudar a mudar o cenário de desigualdade no acesso ao crédito, que consequentemente impede que esses empreendimentos cresçam e alcancem o sucesso em menor prazo.

Não apenas no mês da consciência negra, o olhar atento para apoiar pessoas de grupos sociais historicamente minorizados é uma ação antirracista possível e que deve ser adotada diariamente por pessoas brancas aliadas. Espero que este conteúdo tenha te trazido reflexão sobre o tema e ideias para apoiar essa pauta, Vamos juntos?

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